Nos dias em que me sobram palavras, gasto poucas, em preguiçosa poupança. Nos outros, em que elas me falham e escapam, sorrateiras, invejo aqueles dias da grande abastança.
Enquanto o barulho do acender de um cigarro rompe um silêncio sepulcral, eis-me – inaudito e corajoso gesto – a meditar. De que vale esta enxurrada de palavras, tantas delas azedas e mal cuspidas?
Vício, mania ou mera opção de uma gasta e velha circunstância;
Talvez uma rotina diária, secreta e – inveje-se o destemido paradoxo - segura aventura? Na maior parte dos dias estou-me completamente a borrrifar.
Hoje, vá-se lá saber porque carga de água, deu-me para refletir sobre este ato, repetido, repetido, repetido, tão repetido. A repetição de um ato torna-o banal, dizem os cabeçudos, os que entendem da matéria;
A sua anulação interpreta-se como desistência, acenam outros, debaixo dos seus chapéus de inteligência, que nunca tiram férias.
Parece que estou a conversar comigo e – nesse mesmo louco e desperdiçado ato – a conversar com outra pessoa, que sou eu.
Logo que me questiono, respondo, numa assustadora lógica – algo que me leva a ganhar medo de dormir sozinho.
Deve ser assustador acordar, a meio da noite, uma mão no pescoço – firme – outra segura, a salvar;
Como quem serve cicuta no esplendor cristalino de um gracioso e delicado copo para vinho.
Talvez hoje – para fugir ao medo – durma amarrado de pés e mãos, sendo certo que nunca o conseguirei por completo;
Haverá sempre uma mão livre, o que torna – desde logo – o sono como algo muito incerto.
Desisto da ideia, de complicada que se torna. Ter medo da própria sombra é caso agudo de loucura e, ainda que ela muito me tente, prefiro dilui-la numa infindável lonjura. Para além de que, amanhã é um renovado dia de responsabilidades vestido – sai, quente pela manhã, do forno mais uma jorna.
Nada a fazer, tudo por fazer. Aceito a minha condição de atado a um tronco que me prende a um chão avermelhado, duro e árido;
Tronco esse que ostenta raízes com mais de um metro e oitenta, de número incalculável e aspecto grotesco.
Abro uma garrafa de verde, vinho deliciosamente fresco.
Acendo outro cigarro, que consumo em seis passas; Queimo os dedos ao apagar.
Nos dias em que me escapam palavras eu não devia aqui estar.
Gostei do texto, tem um certo encantamento, palavras desconexas, significados particulares que só o autor poderia definir...belo texto e bela foto!!!
Eli Amorim.
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